Em Sarandi, um policial grita para um ciclista "Desce daí, o macaco!" gerou um grande debate nas redes sociais e nas ruas. Embora algumas pessoas tentem justificar a atitude do policial, alegando que ele não se referia à cor do ciclista, mas sim ao fato de ele estar de pé na bicicleta, a questão principal é a atitude do policial e as consequências disso para a sociedade. Independentemente da interpretação da frase, o que fica claro é que há um problema de racismo implícito e abuso de autoridade.
A primeira justificativa que muitos tentam oferecer para minimizar a gravidade da situação é que o ciclista, aparentemente pardo, não poderia ser alvo de racismo. No entanto, essa visão ignora um aspecto central do racismo: não se trata apenas de cor, mas de como a pessoa é tratada e percebida socialmente. O uso de palavras como "macaco" é, por si só, uma referência depreciativa e desumanizadora, que resgata a longa história de desumanização das pessoas negras, comparadas a animais, um estigma que remonta aos tempos da escravidão e à luta por igualdade. Portanto, independentemente da cor do ciclista, a frase utilizada pelo policial é racista na essência, pois se baseia em um estereótipo racista e não em um simples comentário sobre a postura na bicicleta.
Ao chamar alguém de "macaco", o policial não apenas desrespeita a dignidade do ciclista, mas reforça a desumanização que a sociedade tem historicamente imposto a certos grupos raciais. Mesmo que o policial não tenha tido a intenção explícita de se referir à cor do ciclista, a associação entre uma pessoa e um animal é, em si, uma prática racista, pois remete a um pensamento coletivo ainda presente em nossa sociedade, onde pessoas negras ou de pele mais escura são frequentemente comparadas a animais.
Isso não pode ser ignorado. O racismo não é algo apenas visível em palavras claramente preconceituosas, mas também nas atitudes, nas microagressões e no comportamento diário. Mesmo que a intenção do policial tenha sido outra, a atitude foi uma manifestação de racismo institucional, e a resposta social a isso deve ser clara: não podemos minimizar a violência simbólica de tais palavras.
Além do caráter racista da frase, o que chama ainda mais atenção nessa situação é o abuso de autoridade. O local onde o ciclista estava – uma rua reservada para manobras – é um espaço apropriado para a prática de ciclismo. O policial, ao intervir de forma agressiva, não apenas faz um julgamento precipitado sobre o comportamento do ciclista, mas também desrespeita o direito do indivíduo de estar ali. Criticar alguém por fazer manobras num local especificamente destinado a isso mostra um abuso de poder e uma falta de respeito pela liberdade do cidadão.
É importante lembrar que a função da polícia é proteger os direitos dos cidadãos, e não coagi-los ou desumanizá-los. O policial, ao usar palavras depreciativas, não só demonstrou um comportamento inaceitável, como também desrespeitou a função pública que deveria exercer com dignidade. Isso reflete uma cultura de abuso de autoridade, onde o uso da força verbal e psicológica, baseada em estereótipos e preconceitos, é visto como uma forma legítima de controle.
O mais alarmante de tudo é a tentativa de justificar o comportamento do policial, como vimos em algumas reações nas redes sociais. Há quem defenda que a frase não foi racista, alegando que o policial não se referia à cor da pessoa, mas sim à sua postura na bicicleta. Essa tentativa de minimização demonstra uma normalização de atitudes discriminatórias e de abuso de poder.
Quando a sociedade aceita que um policial use termos racistas ou abusivos, estamos permitindo que um ciclo de violência institucionalizada continue, sem que haja o devido questionamento ou responsabilização. Esse tipo de comportamento não deve ser tolerado, seja ele explícito ou disfarçado, pois contribui para a manutenção de uma sociedade desigual e injusta.
O incidente envolvendo o policial e o ciclista é um reflexo de problemas mais profundos e sistêmicos que precisamos confrontar como sociedade. A frase "Desce daí, o macaco!" não é apenas um erro de julgamento isolado, mas um exemplo claro de racismo velado e abuso de autoridade. É fundamental que as instituições, incluindo a polícia, sejam responsabilizadas por suas atitudes e que ações concretas sejam tomadas para erradicar o racismo estrutural, tanto nas palavras quanto nas atitudes.
A sociedade precisa começar a entender que o racismo não pode ser relativizado e que abusos de autoridade, em qualquer contexto, devem ser denunciados e corrigidos. Combater essas práticas exige um esforço coletivo, onde cada ato discriminatório deve ser reconhecido e enfrentado, para que possamos construir um futuro mais justo e igualitário para todos.
