Segundo dados exclusivos obtidos pelo g1 junto ao Ministério da Previdência Social, o número de licenças médicas por transtornos mentais atingiu um pico de 472.328 afastamentos em 2024, superando o recorde anterior de 283 mil no ano de 2023. Os principais transtornos responsáveis por essa alta incluem ansiedade, depressão, síndrome de burnout e outras condições psicológicas incapacitantes. Para muitos, esses problemas são o reflexo das tensões acumuladas nos últimos anos, com o mercado de trabalho instável e as cicatrizes profundas deixadas pela pandemia de COVID-19.
Os números também revelam um aumento expressivo no número de licenças concedidas, comparando-se aos 3,5 milhões de pedidos de afastamento em 2024, com uma parte significativa deles relacionada a questões de saúde mental. Para entender a magnitude do problema, basta observar que esses 472 mil afastamentos representam um impacto econômico considerável. Mesmo com um valor médio de R$ 1.900 mensais pagos durante o afastamento, o custo total dos benefícios pode ter ultrapassado R$ 3 bilhões para o governo federal, um reflexo do custo da saúde mental na sociedade brasileira.
A crise de saúde mental não surgiu da noite para o dia. Para especialistas da área, os principais fatores que explicam esse aumento estão diretamente relacionados à pressão constante do mercado de trabalho, com jornadas exaustivas, insegurança no emprego, sobrecarga de tarefas e o impacto psicológico das mudanças trazidas pela pandemia. A pandemia de COVID-19, com suas longas semanas de confinamento e a reconfiguração das relações de trabalho, deixou marcas psicológicas profundas na população brasileira.
Os psiquiatras e psicólogos apontam que, em muitos casos, o burnout — síndrome de exaustão extrema provocada pelo estresse no trabalho — ainda é subdiagnosticado, o que poderia explicar a ausência dessa condição na lista de afastamentos mais frequentes. De acordo com dados da Previdência Social, apenas 4 mil afastamentos no ano passado foram causados por burnout, um número considerado baixo, mas que especialistas acreditam não refletir a real situação.
Além disso, muitos trabalhadores enfrentam o problema da falta de recursos adequados para lidar com a saúde mental. A escassez de acesso à assistência psicológica e psiquiátrica de qualidade, associada ao medo de estigmatização, faz com que muitas pessoas posterguem a busca por ajuda até que os problemas se tornem incapacitantes.
Em resposta a esse cenário, o Ministério do Trabalho anunciou a atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que agora passa a incluir a saúde mental como um tema prioritário nas fiscalizações das empresas. Com isso, as companhias serão obrigadas a adotar medidas de prevenção e promoção da saúde mental dos seus funcionários, sob risco de multa em caso de descumprimento. Essa é uma tentativa de mitigar os efeitos da crise e promover ambientes de trabalho mais saudáveis, além de incentivar a redução de casos de afastamento.
A questão é que, mesmo com as novas normativas, a real mudança nas empresas dependerá da aplicação efetiva de políticas internas que priorizem o bem-estar psicológico dos trabalhadores. Muitas vezes, os gestores ainda olham para os problemas de saúde mental com descrença ou ignorância, o que contribui para um ciclo vicioso de sobrecarga e afastamentos.
Além das ações do Ministério do Trabalho, especialistas destacam que é necessário um esforço conjunto entre governo, empresas e sociedade civil para enfrentar a crise de saúde mental de forma mais efetiva. Os investimentos em programas de prevenção e cuidado psicológico no ambiente de trabalho são fundamentais, mas também é essencial que o país amplie o acesso à psicoterapia e ao tratamento psiquiátrico para toda a população. O Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, carece de mais estrutura para atender a essa demanda crescente.
Além disso, a mentalidade em relação à saúde mental precisa ser revista. A desinformação, o preconceito e o estigma associados aos transtornos psicológicos ainda dificultam o diagnóstico e tratamento precoces, além de criar barreiras para que as pessoas busquem ajuda. O problema é sistêmico e exige mudanças não só no setor público, mas também nas atitudes cotidianas da sociedade.
Em suma, o aumento dos afastamentos por transtornos mentais no Brasil é um reflexo de uma sociedade sobrecarregada, marcada pela pressão no trabalho, pela insegurança econômica e pelas consequências psicológicas da pandemia. A crise de saúde mental não é apenas um problema individual, mas sim uma crise social que afeta diretamente a produtividade das empresas e o bem-estar dos trabalhadores.
Com quase meio milhão de trabalhadores afastados, o Brasil se vê diante de um desafio imenso. O governo, ao atualizar suas políticas e aumentar a fiscalização sobre as condições de saúde no trabalho, e as empresas, ao implementarem políticas de saúde mental mais eficazes, devem estar atentos ao impacto desse problema em longo prazo. Contudo, é imprescindível que a sociedade como um todo repense seu papel e busque construir um ambiente mais saudável e acolhedor para todos, combatendo o estigma e garantindo o acesso a tratamento adequado para quem precisa.
Só assim será possível quebrar o ciclo de uma crise que, a cada ano, afeta mais e mais pessoas, colocando em risco o futuro de toda a população trabalhadora brasileira.