Nos últimos anos, o avanço do Ensino a Distância (EAD) transformou radicalmente o cenário da educação superior no Brasil. O que antes era visto como uma ferramenta de democratização do ensino passou a representar, para muitos professores, um símbolo de precarização do trabalho docente. Enquanto donos de faculdades privadas acumulam lucros milionários, educadores denunciam perdas salariais, sobrecarga e perda de qualidade na formação acadêmica dos alunos.
Antes do modelo EAD se consolidar, um professor universitário atendia uma média de 30 a 40 alunos em sala de aula, com tempo e estrutura para preparar conteúdo, avaliar de forma criteriosa e acompanhar o desenvolvimento de seus estudantes. Hoje, com o ensino online massificado, esse mesmo professor pode ser responsável por turmas com centenas – ou até milhares – de alunos, recebendo o mesmo salário ou, em muitos casos, menos.
A precarização não para por aí. As aulas são frequentemente gravadas e reutilizadas por anos, sem que o docente receba qualquer remuneração adicional. A disciplina é usada em diferentes cursos e turmas, durante vários semestres.
Com o avanço do modelo industrializado de educação, os cargos tradicionais de professor foram fragmentados. Hoje, as instituições utilizam uma nova nomenclatura para funções distintas: formadores, mediadores e tutores.
Formadores são os responsáveis por gravar videoaulas ou elaborar apostilas e materiais didáticos. Eles recebem, em média, o equivalente ao salário mensal de um professor presencial, mas seu conteúdo é explorado repetidamente, sem royalties, controle de uso ou reconhecimento.
Mediadores pouco mediam: sua função se assemelha mais a de um gestor remoto, supervisionando dezenas – às vezes centenas – de alunos simultaneamente, respondendo dúvidas genéricas e garantindo que todos “sigam o fluxo”.
Tutores, por sua vez, são encarregados de corrigir provas e atividades com metas rígidas e prazos apertados. Segundo relatos, muitos são pressionados a aceitar trabalhos medianos ou até plagiados para evitar a evasão de alunos, que agora são tratados como "clientes".
Em algumas instituições, professores tutores recebem, em média, R$10 por hora-aula para realizar correções, com metas de 150 a 300 atividades em um período de quatro horas de trabalho na modalidade de teletrabalho, utilizando seus próprios computadores, o que acarreta na depreciação dos equipamentos pessoais.
A maioria dos professores da modalidade EAD atua como MEI (Microempreendedor Individual), sem direito a férias, 13º salário ou outros benefícios trabalhistas. Não recebem em feriados e são frequentemente remanejados, devido ao alto índice de desistência dos alunos, o que torna a remuneração instável e, geralmente, menor no final do ano. Em algumas instituições, os pagamentos podem demorar meses para serem efetuados, pois dependem de processos de faturamento.
Enquanto isso, as faculdades privadas – especialmente os grandes conglomerados de ensino – seguem expandindo seu alcance, com mensalidades acessíveis e baixos custos operacionais. As estruturas físicas foram reduzidas, professores demitidos, e a lógica empresarial tomou conta das decisões pedagógicas. O ensino virou produto, o aluno virou cliente e o professor, uma peça descartável.
A promessa de democratização virou ilusão. O que se vê é a padronização do conhecimento, o empobrecimento do debate acadêmico e a formação de profissionais que muitas vezes não foram desafiados a pensar criticamente durante sua formação.
Outro exmplo é a criação dos cursos tecnólogs: Cursos Tecnólogos: a face oculta da expansão do ensino superior no Brasil - Clique Aqui e leia a reportagem completa
Essa lógica ameaça não apenas a carreira dos professores, mas o próprio futuro do ensino superior no país. O EAD pode ser, sim, uma ferramenta poderosa de inclusão e inovação. Mas, quando utilizado como forma de baratear custos e ampliar lucros à custa da qualidade, ele se torna um risco.
A educação não pode ser tratada como linha de produção. E, enquanto isso persistir, quem perde é toda a sociedade.