Nos últimos dias, declarações polêmicas do ator pornô gay brasileiro — conhecido internacionalmente por seus trabalhos com o estúdio europeu Tim Tales — reacenderam um debate espinhoso dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+: a cultura do “ghosting” sexual, ou seja, marcar encontros por aplicativos como Grindr e não aparecer, bloquear ou simplesmente sumir. O alvo da crítica foi a cidade de Maringá, no Paraná, descrita pelo ator como um lugar onde “as gays são tudo caipira”, “bichas enroladas que agendam foda e depois somem”, e que muitas vezes “colecionam nudes sem sequer ter a intenção de transar”.
Apesar do tom agressivo e generalizante da crítica — que por si só merece questionamentos — a fala trouxe à tona um comportamento recorrente e muitas vezes frustrante para quem busca encontros consensuais por meio de apps. Entre as acusações estão a prática de marcar encontros sem a real intenção de comparecer, bloquear a pessoa após a troca de mensagens ou nudes, e até manter arquivos com imagens íntimas sem consentimento.
A drag queen Allana Summers, moradora de Maringá e uma figura conhecida na cena LGBTQIAPN+ local, reconheceu em parte a crítica. “Realmente, Maringá sendo Maringá… as gays fazem isso direto. Certeza que muitas fazem isso por medo ou porque realmente não dão a devida importância num date!”, afirmou. Sua fala aponta para um comportamento que vai além da malícia: muitas vezes há medo, insegurança, ou desinteresse emocional mascarado pela promessa de desejo.
Mas quando a frustração vira regra, o problema deixa de ser isolado para se tornar cultural.
O uso de aplicativos como Grindr e Hornet pressupõe uma dinâmica de encontros imediatos e sexuais. Ao contrário de aplicativos de namoro tradicionais, a proposta é explícita: quem está ali, está em busca de prazer — muitas vezes anônimo, consensual e direto. No entanto, o que ocorre com frequência, segundo relatos de usuários e profissionais da área, é a criação de falsas expectativas: pessoas que pedem fotos íntimas, extraem o máximo de informações e estímulo sexual, e depois desaparecem.
O sexólogo ouvido nesta reportagem, que preferiu não se identificar, foi taxativo: “Sim, esse tipo de comportamento é comum. Existem gays da cidade que têm pastas com fotos de usuários dos aplicativos. É algo que já foi falado em rodas de conversa, nos bastidores. O mais grave: parte desses usuários são casados com mulheres ou estão em relacionamentos heteronormativos e usam os apps para encontros em segredo”.
O especialista também alerta: embora o Grindr e outros aplicativos tenham bloqueios contra prints, criminosos burlam esse sistema com facilidade, fotografando a tela de outro aparelho ou com câmeras externas. “A posse ou distribuição de imagens íntimas sem consentimento configura crime, segundo a Lei 13.718/2018, conhecida como Lei da Importunação Sexual”, afirma.
Mentir, marcar e não ir a um encontro, por si só, não é considerado crime no Brasil. O chamado “ghosting” — muito debatido em contextos afetivos — se agrava moralmente quando ocorre em situações de exposição emocional ou íntima. No contexto sexual, pode ser visto como uma forma de manipulação emocional ou mesmo uma perversão do consentimento, mas ainda assim não tipificado como crime.
Entretanto, quando há troca de imagens íntimas e essas são armazenadas sem permissão, ou piores ainda, compartilhadas, aí sim há implicações legais. O artigo 218-C do Código Penal brasileiro prevê detenção para quem “divulga, compartilha, vende ou publica, por qualquer meio, imagem ou vídeo com cena de nudez ou ato sexual sem consentimento da vítima”.
Além disso, o acúmulo de nudes para fins de chantagem, troca, ou mesmo prazer pessoal sem consentimento pode configurar violação à intimidade, e, em alguns casos, crime digital.
A crítica do ator pornô, embora grosseira e generalizante, revela uma ferida aberta: a forma como a cultura do sexo casual, alimentada por algoritmos de proximidade e anonimato, desumaniza o outro. Trocar fotos, prometer prazer e desaparecer parece banal em um clique, mas o impacto emocional e social dessas ações é real. Há quem seja apenas imprudente, mas há também quem aja com má-fé.
A discussão não é sobre proibir o uso de apps ou castigar o “sumiço”. Trata-se de refletir sobre o tipo de comunidade que queremos construir — e como o respeito, mesmo em relações breves, deve estar no centro. A liberdade sexual é uma conquista, mas ela só é plena quando acompanhada de responsabilidade, ética e consentimento.
Afinal, até no sexo casual, a palavra-chave ainda é: respeito.