Nunca imaginei que o circo, símbolo da minha infância e fonte de tantos sorrisos, um dia me levaria ao colapso — e, ao mesmo tempo, à cura.
Tudo começou em julho, logo após as férias. Eu havia voltado de uma viagem ao Beto Carrero World, onde pela primeira vez assisti ao espetáculo do Cirque du Soleil. Para muitos, era só um show. Para mim, era um encontro. A criança que fui e o adulto que sou se cruzaram naquele picadeiro. E algo ali dentro se abriu — não no espetáculo, mas em mim.
Dias depois, comecei a sentir uma tosse estranha, como se algo preso na garganta quisesse sair, seguido de ânsias de vômito, dores generalizadas, respiração ofegante e uma pressão arterial que chegou a atingir 17 de máxima. Achei que estava gripado, talvez até com coqueluche, dado o surto em São Paulo. Fiz exames, descartei possibilidades físicas. Nada. Nenhuma resposta concreta.
Passei meses buscando um diagnóstico que não vinha. O corpo gritava, mas os laudos silenciavam.
Foi só no final do ano, depois de muita investigação médica e psicológica, que veio o nome que eu não esperava: crise de pânico. Eu estava colapsando emocionalmente. E não por acaso. Foi preciso que a memória afetiva — aquela que vive nos bastidores do corpo — se ativasse para que eu encarasse algo que nunca quis nomear.
Os crimes que sofri ao longo da vida, principalmente os abusos, estavam ali. Não apenas nas lembranças, mas no corpo. Aquele espetáculo de luzes, música e acrobacias havia sido o gatilho involuntário para trazer à tona dores profundas, enterradas sob anos de silêncio.
A ironia? Foi também o circo que me salvou.
Ele me fez lembrar quem eu era antes da dor. Antes do trauma. Antes do medo. Me reconectou com o riso, com a liberdade, com a possibilidade de imaginar mundos diferentes daquele que me machucou.
O que parecia uma simples ida a um show foi, na verdade, um ritual de passagem. O adulto entrou no espetáculo e saiu em ruínas — mas com a chance de reconstruir.
reflexão final
Hoje, sigo em tratamento para transtorno do pânico, aprendendo a respeitar meu corpo, minhas emoções, meus limites. Ainda tenho crises, mas agora sei o que são. Não fujo mais de mim.
E deixo aqui um recado a quem está lendo: quando o corpo fala, escute. Nem toda dor vem de uma infecção. Nem todo colapso é físico. Às vezes, é o passado pedindo para ser acolhido.
E se você sente que está à beira de um abismo, saiba: existe rede. Existe solo. Existe arte.
E existe, sim, saída.