Por muito tempo, a imagem de Cristo foi associada à humildade, ao amor ao próximo, à caridade e à busca pela evolução espiritual. No entanto, ao longo dos séculos, algumas instituições que se dizem representantes da fé cristã passaram a se afastar desses princípios centrais. Hoje, em muitas igrejas ao redor do mundo, parece que o foco passou a ser mais no lucro e na acumulação de riquezas do que na disseminação do amor, da bondade e da justiça social.
Há um momento na vida de Jesus que ficou marcado pela sua atitude vigorosa: a expulsão dos cambistas do templo de Jerusalém. Esse episódio, descrito nos quatro evangelhos, revela a indignação de Cristo ao ver o templo de Deus sendo usado como mercado, um lugar onde o comércio tomava o lugar da oração e da devoção. Jesus, enfurecido, virou as mesas dos cambistas e expulsou os vendedores, chamando o templo de “casa de oração” e denunciando aqueles que o haviam transformado em um “covil de ladrões” (Mateus 21:13).
Esse ato, muitas vezes interpretado como uma demonstração de justiça e zelo pela pureza do culto a Deus, poderia ser visto como um reflexo do que seria a postura de Cristo diante da comercialização da fé nos dias de hoje.
Infelizmente, em um cenário global de crescente comercialização da religião, muitas igrejas modernas passaram a priorizar a arrecadação financeira em detrimento do verdadeiro propósito de ensino, caridade e transformação espiritual. O que vemos é uma relação cada vez mais estreita entre fé e lucro. Igrejas, que deveriam ser locais de acolhimento e apoio aos necessitados, muitas vezes se transformam em grandes corporações que operam como empresas, com suas campanhas de arrecadação cada vez mais agressivas, com promessas de prosperidade material para aqueles que doam mais.
Em muitas dessas instituições, o dízimo não é apenas uma prática de contribuição, mas uma exigência, muitas vezes associada à ideia de que, se não houver doação generosa, a bênção de Deus não virá. Essa estratégia, que pode ser vista como uma forma de manipulação emocional, é a espinha dorsal de muitas igrejas comerciais que operam como "negócios religiosos".
A Teologia da Prosperidade é um movimento amplamente promovido por algumas igrejas evangélicas e pentecostais, que ensina que a fé em Cristo traz benefícios materiais, como riqueza e saúde. Essa teologia distorce o verdadeiro ensinamento cristão, que nunca prometeu a riqueza material, mas sim a paz espiritual e a salvação. As pregações focam em ofertas e doações generosas como forma de “garantir” a bênção de Deus, enquanto o sofrimento e a pobreza são muitas vezes retratados como falta de fé ou de contribuição financeira.
É fácil perceber que, sob essa ótica, a espiritualidade e o ensino sobre o amor ao próximo e a caridade se tornam secundários, ou até mesmo dispensáveis. O foco se desloca para o "mercado da fé", onde a relação entre o fiel e a igreja é mediada por transações financeiras, e não pelo serviço genuíno ao próximo.
Imaginemos por um momento o retorno de Cristo aos tempos modernos. O que ele veria ao entrar nas igrejas de hoje? Com certeza, muitos dos templos que ele visitaria estariam mais preocupados em vender bênçãos do que em ajudar os pobres, as viúvas, os órfãos, os marginalizados – todos aqueles que Jesus tanto amou e cuidou. Não haveria expulsão de cambistas apenas no templo, mas em muitas das “igrejas do evangelho da prosperidade” que vendem falsas promessas, transformando a fé em uma troca comercial.
"A minha casa será chamada casa de oração, mas vós a tendes feito covil de salteadores", disse Jesus ao expulsar os vendedores do templo. Hoje, a mesma mensagem se aplica a muitas igrejas onde a exploração do fiel não se limita à venda de indulgências, mas à venda de sonhos materiais que distorcem completamente os ensinamentos originais de Cristo.
Em um mundo onde a mercantilização da fé parece estar crescendo a cada dia, é fundamental resgatar os princípios de amor incondicional, caridade, serviço ao próximo e evolução espiritual que Jesus pregou. Igrejas e líderes religiosos devem repensar sua responsabilidade, lembrando que o verdadeiro propósito de Cristo não era enriquecer ou criar um império financeiro, mas transmitir a palavra de amor, solidariedade e compaixão, promovendo um mundo mais justo e humano.
Se Jesus voltasse hoje, sua mensagem seria clara: os templos e igrejas devem ser locais de acolhimento e apoio, não de comércio. O verdadeiro espírito cristão não pode ser medido pela quantidade de dinheiro arrecadado, mas pela capacidade de transformar vidas e curar as feridas do mundo.
O desafio para as igrejas modernas é imenso. O comércio da fé não é um fenômeno isolado, mas sim um sintoma de um mundo cada vez mais materialista e voltado para o lucro. No entanto, é possível mudar essa realidade. As igrejas podem, e devem, voltar a ser espaços de reflexão, solidariedade e ação social, onde o evangelho de Cristo é vivido e praticado não apenas através de palavras, mas de ações concretas de amor ao próximo.
Se o mercado da fé é cruel, o mercado da caridade – aquele que Cristo realmente promoveu – é uma via que todos nós, como comunidade de fé, precisamos resgatar.