Nos últimos anos, a visibilidade e o reconhecimento da comunidade LGBTQIA+ têm crescido significativamente, e com isso, a busca por direitos iguais e a erradicação da homofobia têm sido temas essenciais. No entanto, um paradoxo tem surgido dentro dessa mesma comunidade: o consumo de conteúdos pornográficos de homens com outros homens, que se identificam como heterossexuais. Essa prática está, de alguma maneira, financiando e perpetuando a homofobia e o preconceito, além de reforçar ideias errôneas sobre a identidade sexual, principalmente no que tange aos bissexuais.
O mercado de conteúdos pornográficos tem se adaptado às demandas de diferentes nichos, e uma das tendências mais notáveis é o desejo de ver homens heterossexuais envolvidos em relações sexuais com outros homens. No entanto, a própria natureza desses conteúdos está profundamente ligada a um estigma internalizado sobre a homossexualidade. Ao consumir tais vídeos, muitos gays e heterossexuais desconsideram o fato de que as performances retratadas muitas vezes são construídas sob o pressuposto de que a homossexualidade é uma anomalia ou algo passivo e não uma identidade legítima e afirmativa.
Quando homens heterossexuais se envolvem em cenas com outros homens, mas são apresentados como "em cima do muro" ou com uma falsa fachada de heterossexualidade, isso cria uma atmosfera onde a atração por pessoas do mesmo sexo é algo a ser disfarçado, negado ou ignorado. Não apenas isso, mas tal prática tem levado a uma percepção errônea sobre o que significa ser bissexual. A constante validação da ideia de que o desejo por homens heterossexuais é mais excitante ou desejável do que a reciprocidade entre pessoas abertamente gays e bissexuais reforça o preconceito em relação à bissexualidade, como se esta fosse apenas uma fase ou uma "mentira" a ser desmascarada.
Ao financiar, por meio de assinaturas ou compras de vídeos, a produção de conteúdos que explicitamente desvalorizam as identidades sexuais mais fluidas ou bissexuais, uma parte da comunidade gay está, inadvertidamente, perpetuando a homofobia. A produção de material que gira em torno da ideia de que o desejo por homens heterossexuais tem mais valor do que a aceitação de relações entre homens que se identificam como gays ou bissexuais reforça um ciclo vicioso de preconceito. Isso tem um impacto direto na forma como a bissexualidade é vista dentro da própria comunidade LGBTQIA+.
A falta de compreensão e aceitação entre membros da comunidade que se identificam como gays e os bissexuais é uma realidade dolorosa. Bissexuais são muitas vezes marginalizados, tanto dentro de espaços heterossexuais como dentro de ambientes homossexuais. A ideia de que a bissexualidade é "dupla lealdade" ou "confusão sexual" e a aceitação de apenas um tipo específico de atração, reforçado por esse consumo de conteúdos, exclui e marginaliza muitos dentro da comunidade.
A questão vai além do preconceito internalizado – é também uma hipocrisia flagrante. Muitos que criticam abertamente a homofobia ou os estigmas impostos pela sociedade heteronormativa acabam apoiando, seja conscientemente ou não, o financiamento de conteúdos que promovem ideias profundamente problemáticas sobre a sexualidade. Em outras palavras, pessoas que se dizem defensoras da liberdade sexual e da aceitação de todas as formas de amor estão, de certa forma, perpetuando um ciclo de discriminação, ao consumir materiais que desvalorizam e deslegitimam a identidade de outras pessoas dentro da própria comunidade.
Este é um exemplo claro de como o preconceito velado, muitas vezes invisível até para aqueles que o perpetuam, pode ser internalizado em todas as esferas sociais. A linha entre o apoio à diversidade e o financiamento de uma indústria que marginaliza certos grupos dentro da comunidade LGBTQIA+ está se tornando cada vez mais tênue.
A mudança começa com a reflexão. Dentro da comunidade gay, é importante que se questione as normas estabelecidas sobre o consumo de conteúdos que alimentam esses preconceitos. Como podemos, em uma sociedade que busca cada vez mais a aceitação e igualdade, continuar a perpetuar estigmas contra grupos que lutam pela mesma causa? Como podemos, dentro da própria luta por respeito, ajudar a criar um espaço inclusivo que aceite todas as identidades sexuais, incluindo a bissexualidade, sem ter que validar um estereótipo heteronormativo?
O primeiro passo é educar-se e educar os outros. Questionar os conteúdos que estamos consumindo, refletir sobre os preconceitos internos e buscar alternativas que promovam representações mais saudáveis e inclusivas da sexualidade humana. O movimento pela aceitação da diversidade deve ser genuíno, livre de hipocrisia e desprovido de preconceitos sutis e enraizados.
O que está em jogo não é apenas o respeito à identidade de gênero e orientação sexual, mas também o fortalecimento de uma comunidade verdadeiramente unida, que respeite a pluralidade das experiências e lutas de seus membros.