Em 2017, a Disney anunciou com entusiasmo que seu remake live-action de A Bela e a Fera teria o primeiro personagem abertamente gay de sua história: LeFou, interpretado por Josh Gad. A notícia gerou expectativa e também polêmica. Afinal, tratava-se de um passo importante para uma empresa global com alcance massivo junto ao público infantil e familiar. Mas quando o filme finalmente chegou aos cinemas, a decepção foi inevitável para muitos: a tão falada representatividade se resumiu a uma única cena breve de dança entre LeFou e outro homem, sem diálogos, sem contexto, e sem qualquer peso narrativo.
Durante a divulgação do filme, o diretor Bill Condon havia prometido um "momento exclusivamente gay" que marcaria um "ponto de virada" na representatividade LGBTQIA+ nas animações e filmes familiares. A declaração causou agitação na mídia e até protestos em países mais conservadores. No entanto, ao ver o filme, a maioria dos espectadores encontrou uma abordagem tímida, quase invisível, do que poderia ter sido um avanço simbólico significativo.
“Foi como se a Disney dissesse ‘olha, estamos fazendo algo’, mas sem realmente fazer”, comenta a pesquisadora de mídia e gênero Carla Fernandes. “Eles criaram alarde em cima de uma inclusão que mal é perceptível. É uma estratégia de marketing, não de representatividade real.”
Outro ponto controverso foi a própria escolha de LeFou como veículo dessa representatividade. No filme original de 1991, LeFou já era um personagem cômico, submisso e obcecado por Gaston — características que, décadas depois, foram mantidas, ainda que com nuances mais humanas na versão de Josh Gad. No entanto, sua identidade gay é conectada a essa mesma caricatura de homem efeminado, patético e exagerado, o que muitos consideram uma repetição de estereótipos prejudiciais.
“O problema não é ele ser gay. O problema é ele ser o bobo da corte, o escada do vilão, o que nunca é levado a sério. Isso reforça a ideia de que personagens queer não são dignos de profundidade”, afirma o crítico cultural Diego Mendonça.
A decisão da Disney de limitar o “momento gay” a poucos segundos e sem impacto na trama principal é vista por muitos como um exemplo clássico de "inclusão segura": uma tentativa de agradar ao público progressista sem perder o mercado conservador. A cena é tão rápida que pôde ser facilmente cortada em países onde a homossexualidade ainda é tabu, o que de fato aconteceu em algumas versões internacionais.
Essa prática — conhecida como "rainbow capitalism" ou "representatividade tokenizada" — tem sido cada vez mais criticada: empresas se dizem aliadas da causa LGBTQIA+ quando é conveniente, mas recuam diante de qualquer risco real ou pressão política.
Ainda que se possa considerar a inclusão de LeFou como um pequeno marco histórico na Disney, o gesto acabou tendo mais valor simbólico do que real. O personagem não tem um arco amoroso, não fala sobre sua sexualidade e não tem impacto na história além do alívio cômico. A expectativa por um personagem queer complexo, tridimensional e com relevância na trama continua sendo adiada.
LeFou pode ter sido o “primeiro personagem gay da Disney”, mas sua breve aparição como tal revela mais sobre os limites da empresa do que sobre seu compromisso com a diversidade. O gesto foi, no máximo, um passo tímido em uma longa estrada que ainda precisa ser percorrida com mais coragem, consistência e autenticidade.
Porque, no fim das contas, não basta dançar por dois segundos. Representatividade real exige dançar a história inteira.