A bandeira do arco-íris tremula sob o ideal de união, diversidade e respeito. Mas, por trás da estética colorida e dos discursos de acolhimento, ainda existem fissuras internas que corroem a base da comunidade LGBTQIA+, especialmente quando se trata de preconceito velado, hipocrisia e omissões convenientes. Um dos exemplos mais marcantes é a forma como a bissexualidade — e outras identidades "não heterossexuais" — são frequentemente mal compreendidas, invalidadas ou até usadas como cortina de fumaça para comportamentos homofóbicos sutis.
Parte da confusão se dá pela incompreensão entre homoafetividade e homossexualidade. O termo "homoafetivo" se refere ao afeto, carinho, vínculo emocional entre pessoas do mesmo gênero. Já a homossexualidade refere-se à atração sexual. Em tempos onde o sexo ainda é tabu — mesmo entre aqueles que dizem lutar contra o conservadorismo — muitos preferem suavizar sua identidade com a ideia do “afetivo”, como se o carinho fosse mais aceitável que o desejo. Mas até que ponto isso não é apenas uma forma de se manter “mais apresentável” para os olhos héteros?
Outro ponto delicado e frequentemente ignorado é o crescente número de pessoas que se identificam como bissexuais, mas se afirmam heterossexuais no convívio social, especialmente em ambientes conservadores. Muitos homens e mulheres têm experiências afetivas ou sexuais com pessoas do mesmo sexo, mas rejeitam qualquer rotulagem que possa “ameaçar” sua imagem pública.
Essa atitude, embora compreensível diante do medo de represálias sociais, se torna problemática quando usada como escudo para alimentar homofobia ou excluir a vivência de outros LGBTQIA+. A hipocrisia ganha contornos ainda mais nítidos quando esses mesmos indivíduos fazem piadas, reproduzem estereótipos ou evitam se associar a pessoas visivelmente LGBT.
A homofobia velada — também chamada de homofobia internalizada — é um dos venenos mais corrosivos dentro da militância LGBTQIA+. Ela se manifesta em frases como:
“Não gosto de gays afeminados.”
“Tudo bem ser gay, só não precisa se assumir.”
“É bi, mas só fica com mulher.”
Frases assim não são críticas construtivas — são sintomas de um preconceito que se esconde atrás de uma suposta normalidade. O problema é que muitas vezes isso é tolerado ou até aceito como 'opinião' dentro da própria comunidade, o que deslegitima lutas, enfraquece a militância e afasta aliados.
A fragmentação causada pelo preconceito interno transforma a comunidade LGBT+ em um espaço de disputa por validação. Gays que não aceitam bissexuais, lésbicas que rejeitam pessoas trans, homens trans invisibilizados nas pautas, e por aí vai.
Ao aceitar homofobia velada em nome da conveniência ou do marketing pessoal, parte da militância perde o discurso. E se perde o discurso, perde também o respeito, tanto dentro quanto fora. A comunidade se enfraquece, perde representatividade real e se torna refém de rótulos superficiais que servem apenas para o mês do orgulho e para campanhas publicitárias.
Lutar contra o preconceito exige autocrítica, coragem e compromisso real com a diversidade — inclusive com as diferenças internas. A comunidade LGBTQIA+ precisa entender que aceitar o outro não é aceitar apenas quem se encaixa em nossos moldes. É acolher as múltiplas expressões de identidade com o mesmo respeito que exigimos da sociedade.
Enquanto bissexuais forem invalidados, enquanto homossexuais forem chamados de “exagerados”, enquanto pessoas trans forem vistas como “demais para aceitar”, a verdadeira liberdade continuará sendo uma promessa distante — até mesmo dentro da própria comunidade.