A Associação Brasileira de Tecnologia de Sementes (Abrates) celebra com orgulho a indicação da pesquisadora Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, ao World Food Prize 2025, considerado o “Nobel da Agricultura e Alimentação”. A cientista foi laureada por suas contribuições pioneiras no desenvolvimento de insumos biológicos para a agricultura, com impactos diretos na produtividade, sustentabilidade e mitigação das mudanças climáticas.
O anúncio foi feito na sede da Fundação World Food Prize, nos Estados Unidos, criada pelo agrônomo e Prêmio Nobel da Paz Norman Borlaug, o pai da Revolução Verde. A cerimônia oficial de entrega do prêmio será realizada no dia 23 de outubro, em Des Moines, no estado de Iowa (EUA).
Com mais de quatro décadas dedicadas à pesquisa em microbiologia do solo, Mariangela tem se destacado internacionalmente por desenvolver tecnologias sustentáveis que reduzem o uso de fertilizantes químicos, ao mesmo tempo em que aumentam a produtividade agrícola. Seu trabalho com a inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio em culturas como a soja — especialmente com os microrganismos Bradyrhizobium e Azospirillum brasilense — trouxe benefícios ambientais e econômicos de larga escala.
Somente em 2024, a tecnologia permitiu uma economia estimada de 25 bilhões de dólares, ao dispensar o uso de adubos nitrogenados, além de evitar a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO₂ equivalente na atmosfera. Atualmente, 85% da área cultivada com soja no Brasil — cerca de 40 milhões de hectares — já utilizam essa inovação, representando a maior taxa de adoção de inoculação no mundo.
A trajetória até aqui não foi simples. “Esse resultado não é de um ano, de um mês. É um trabalho de décadas. Estou nessa há mais de 40 anos”, pondera a cientista.
Paixão pela ciência e pela sustentabilidade
Formada em Agronomia pela Esalq/USP na metade da década de 1970, Mariangela relembra como a visão predominante era voltada ao uso intensivo de insumos químicos. “Naquela época, o raciocínio era: só se consegue altas produções com químicos, químicos e mais químicos. Tínhamos pouquíssimas aulas de microbiologia, e era justamente isso que eu queria estudar. Sempre achei fascinante esse papel dos microrganismos na agricultura.”
A escolha pela Agronomia foi natural, mas a realidade impôs desafios. “Naquela época, Agronomia era uma área muito masculina e machista. E para piorar, fiquei grávida no segundo ano da faculdade. Eu não tinha perspectiva, não conseguia estágio. Tinha que estudar e trabalhar para sustentar minha filha. Era o pacote do insucesso, como diziam.”
Mas foi justamente nesses momentos que ela encontrou forças. “Essas dificuldades nos ensinam a ser resilientes. Se você aprende a ser resiliente num ponto, aprende em tudo. A faculdade também te ensina isso. A gente cai, levanta-se, se frustra com uma pesquisa, mas está sempre tentando novamente. Tudo isso te fortalece para a vida.”
Presença feminina na ciência e no agro
Hoje, além de referência em sua área, Mariangela é inspiração para uma nova geração de mulheres cientistas. “A agricultura do futuro é feminina. As mulheres têm uma visão mais voltada à sustentabilidade, à preservação do solo e ao legado para as futuras gerações”, afirma Mariangela.
Ela reconhece avanços na presença feminina na ciência, mas ressalta desafios que persistem. “Hoje você entra em um curso de Agronomia e vê muito mais mulheres do que no meu tempo. Há uma participação crescente. Mas ainda existem espaços muito masculinos."
Ela destaca que os cargos de liderança ainda são ocupados majoritariamente por homens. “Hoje temos muitas pesquisadoras, em algumas áreas mais mulheres do que homens. Mas nos cargos de topo – como reitores e diretores – as mulheres ainda são minoria. Representam 30% ou menos.”
Importância das sementes
Mariângela destacou sua participação frequente no Congresso Brasileiro de Sementes, promovido pela ABRATES, ressaltando a importância do evento para o avanço da pesquisa. Segundo ela, é fundamental que haja sintonia entre o setor de biológicos e o setor de sementes — que, hoje, é muito mais estruturado. “Precisamos acompanhar de perto tudo o que acontece no setor de sementes. Quando surge uma nova tecnologia ou estratégia, temos que avaliar se nossos microrganismos serão compatíveis com ela.”
Ela lembra que houve um momento em que o número e a combinação de agrotóxicos utilizados no tratamento de sementes se tornaram um desafio para os inoculantes biológicos. “Chegou um ponto em que não conseguíamos mais testar a compatibilidade com todos os produtos usados. E, quando o tratamento químico é muito intenso, muitas vezes nossas bactérias não sobrevivem.”
Diante disso, foi desenvolvida a tecnologia da inoculação no sulco, como alternativa para os casos em que o tratamento de sementes é mais agressivo e inviabiliza a reaplicação dos microrganismos na semeadura. “Hoje, vemos um interesse crescente do setor de sementes pelos biológicos. E, no congresso, quem mais busca informações para se manter atualizado sobre esse universo somos nós, que trabalhamos com os biológicos. É onde conseguimos entender para onde o setor está indo e como podemos nos adaptar.”
Valorização da ciência pública
Ao receber o World Food Prize, Mariangela Hungria reforça o valor da ciência pública brasileira. “Esse prêmio mostra que, saindo da Warta, aqui de Londrina (Distrito onde está a sede da Embrapa Soja), é possível impactar o mundo. A Embrapa gera um retorno social, econômico e ambiental imenso para o país.”
Para ela, o reconhecimento também traz visibilidade a uma agricultura mais limpa, eficiente e conectada com as demandas ambientais. “Esse trabalho não entra no caixa da Embrapa, mas entra no bolso do agricultor e no balanço ambiental do país. É isso que faz a diferença”,
O presidente da ABRATES, Fernando Henning, destacou a relevância da contribuição de Mariangela para a pesquisa científica. “Estamos muito felizes com esse reconhecimento. Mariangela construiu uma trajetória sólida e inspiradora, dedicada à ciência, unindo sustentabilidade e produtividade para responder aos desafios globais da segurança alimentar. Essa premiação reforça a importância da ciência pública brasileira e ressalta o papel fundamental das mulheres no avanço do agronegócio”, afirmou Henning.