Recentemente, Maringá, uma cidade que carrega em seu tecido social uma grande comunidade espírita kardecista, tem sido palco de um crescente debate em torno de uma nova igreja espírita recém-inaugurada. A igreja, que se apresenta como um centro de acolhimento e prática espiritual, tem gerado controvérsia e forte resistência por parte da comunidade espírita tradicional.
Um dos pontos mais sensíveis da discussão é a prática de cobrar pelos atendimentos espirituais realizados na igreja. No espiritismo kardecista, uma das bases fundamentais é a caridade. Allan Kardec, o codificador do espiritismo, deixou claro que as práticas mediúnicas, como o auxílio espiritual, as consultas e os atendimentos, devem ser oferecidas de maneira gratuita, sem qualquer interesse financeiro envolvido. Em seus escritos, Kardec enfatiza que a caridade é a virtude maior e que os espíritas devem trabalhar para o bem do próximo sem esperar qualquer recompensa material.
No entanto, a nova igreja espírita em Maringá parece ignorar essa premissa. Segundo as informações que circulam, a instituição está patrocinando anúncios nas redes sociais e cobrando por atendimentos espirituais, algo que fere profundamente a filosofia de caridade e altruísmo que orienta a doutrina. É um completo desrespeito ao espiritismo, uma forma de exploração da fé das pessoas. Se a pessoa vai à igreja buscar alívio espiritual e ajuda, não pode ser cobrada por isso.
Essa prática de cobrança não é só vista como uma distorção dos ensinamentos de Kardec, mas também como uma exploração da fragilidade humana em momentos de dor e necessidade. A fé é algo íntimo e profundo, e não deve ser usada como moeda de troca, especialmente em um contexto onde muitas pessoas buscam respostas para questões existenciais e emocionais.
Outro ponto de grande controvérsia é a promessa da igreja de realizar cartas psicografadas. A psicografia, prática mediúnica onde um espírito se comunica por meio de um médium, é um dos aspectos mais conhecidos do espiritismo, mas a questão aqui vai além da prática em si. O que tem gerado críticas acentuadas é a comercialização dessas cartas e o discurso de que, em alguns casos, essas mensagens poderiam ser enviadas para qualquer pessoa, mediante pagamento.
Para os adeptos da doutrina espírita kardecista, a psicografia não é uma prática controlada ou direcionada pelo médium, mas sim um fenômeno espiritual, uma comunicação do plano espiritual para o plano terreno. Isso significa que, segundo a doutrina, as cartas psicografadas não podem ser solicitadas de maneira sistemática ou comercializada. A mediunidade verdadeira ocorre espontaneamente, quando o espírito decide se comunicar com aqueles que buscam uma mensagem ou esclarecimento.
Cartas psicografadas não podem ser feitas sob demanda. A ligação espiritual é de lá para cá, não daqui para lá. A mediunidade é um canal para a comunicação com os espíritos, mas ela não deve ser usada como um produto para ganhar dinheiro, essa prática se assemelha ao charlatanismo, onde se usa a fé das pessoas como um instrumento de manipulação financeira.
A reação da comunidade espírita local tem sido unânime no repúdio às práticas da nova igreja. Líderes espíritas de centros tradicionais de Maringá expressaram preocupação sobre o impacto que essas atitudes podem ter sobre a imagem do espiritismo na cidade e, em nível mais amplo, sobre a doutrina em si.
Além disso, há o risco de que a comunidade espírita, já fragilizada em algumas questões devido a outros casos de distorções de fé, se veja cada vez mais envolvida em disputas internas, alimentadas por novas abordagens como a desta igreja. Em vez de buscar um caminho de fraternidade, a tendência é que se perca a confiança nas instituições e nas práticas espirituais que respeitam os verdadeiros fundamentos do espiritismo.
Por fim, o grande risco que paira sobre o caso da nova igreja espírita em Maringá é a acusação de charlatanismo. Ao usar a fé como uma ferramenta de lucro, ao prometer milagres e soluções rápidas por meio de práticas que vão contra os princípios de Allan Kardec, a instituição se coloca em um território perigoso, onde a manipulação de sentimentos e crenças das pessoas pode gerar danos irreparáveis.
O charlatanismo religioso é um fenômeno recorrente em várias religiões, e no espiritismo não seria diferente. A história já mostrou como a exploração da fé pode ser um terreno fértil para aqueles que buscam se beneficiar economicamente da vulnerabilidade humana. Nesse contexto, o mais importante é que a comunidade espírita, especialmente em Maringá, continue a se unir para proteger os princípios e valores da doutrina, alertando para os perigos do mercantilismo e da distorção dos ensinamentos que têm como objetivo o crescimento espiritual e moral do ser humano.
A nova igreja espírita de Maringá, com suas práticas de cobrança por atendimentos e psicografia comercializada, levanta questões sérias sobre ética, respeito à fé e os verdadeiros princípios do espiritismo. Se essas atitudes não forem revistas, corre-se o risco de ver o espiritismo se distanciar de seus valores originais e se transformar em um instrumento de exploração, ao invés de um caminho de caridade, evolução e consolo espiritual. A comunidade espírita maringaense, atenta e vigilante, continua a ser a principal guardiã da autenticidade da doutrina de Allan Kardec.