Publicado em 1865 por Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas" é um dos maiores clássicos da literatura infantil e também um dos mais enigmáticos e profundos, mesmo sendo frequentemente lido como uma simples história de fantasia. A obra segue Alice, uma jovem que cai em um mundo surreal, onde encontra uma série de personagens excêntricos e enfrenta desafios ilógicos que desafiam a razão. Embora o livro seja muitas vezes interpretado como uma história fantástica, ao longo do tempo, estudiosos e leitores têm apontado paralelos profundos entre o que Alice vive em sua jornada e as complexidades da vida real. A narrativa, com suas ambiguidades e eventos desconexos, pode ser vista como uma metáfora para o caos da existência humana, os dilemas da identidade e as questões de adaptação ao mundo ao nosso redor.
Ao cair na toca do coelho, Alice se encontra em um mundo onde as regras da lógica são desconstruídas. O País das Maravilhas é um local onde a física, a razão e o tempo não se aplicam da maneira tradicional. No entanto, mesmo com todas as suas bizarrices, o que Alice vive neste universo reflete o que muitos de nós enfrentamos na vida real: a busca por sentido em um mundo muitas vezes irracional e caótico.
Ao longo da história, Alice questiona constantemente sua própria identidade. Em diversos momentos, ela se vê em situações desconcertantes, como quando encontra um gato que desaparece e deixa apenas um sorriso, ou quando se depara com a rainha de copas e suas regras absurdas. Esses encontros podem ser vistos como representações das dificuldades de se encontrar em um mundo que constantemente muda e desafia quem somos ou pensamos ser.
A principal questão que Alice enfrenta ao longo de sua jornada é a pergunta: "Quem sou eu?" Em um momento crucial da história, quando ela pergunta ao gato como chegar a algum lugar, ele lhe responde que não importa muito aonde ela vá. A resposta do gato ilustra um dos maiores dilemas existenciais da vida real: o constante questionamento da identidade e do propósito. Assim como Alice, muitos de nós passamos por momentos em que o futuro parece incerto e o caminho, difícil de discernir.
A vida real, tal como o País das Maravilhas, também é cheia de momentos de incerteza e de autodescoberta. No mundo contemporâneo, as pressões sociais, as expectativas de sucesso e as constantes mudanças de identidade — seja nas redes sociais, seja nas relações pessoais — tornam a tarefa de se entender e encontrar um propósito mais desafiadora do que nunca. Alice, ao tentar se adaptar a um mundo que não segue nenhuma lógica, acaba refletindo a forma como muitos se sentem ao enfrentar as expectativas e as normas da sociedade.
Outro aspecto fundamental de "Alice no País das Maravilhas" é a subversão da lógica e da razão. As regras que governam o País das Maravilhas são frequentemente arbitrárias e desprovidas de sentido. Por exemplo, quando Alice entra na casa da Duquesa, ela se depara com situações bizarras e frases sem pé nem cabeça. A famosa cena do chá com o Chapeleiro Maluco e o Lebre de Março é outro exemplo de um ambiente em que o tempo, a lógica e a ordem são completamente distorcidos.
Essa distorção de regras pode ser vista como uma crítica à maneira como a sociedade, na vida real, tenta impor uma lógica rígida em um mundo que nem sempre segue um caminho claro. No cotidiano, muitas vezes nos vemos em situações ilógicas, onde o comportamento humano e as expectativas sociais parecem não fazer sentido. As regras não são sempre justas ou claras, e as pessoas se encontram navegando em uma série de situações que desafiam sua compreensão.
Esses momentos de "absurdo" podem ser encarados como metáforas para as situações em que nos encontramos na vida real, quando as normas da sociedade parecem estar em desacordo com nossa própria percepção de justiça, identidade e propósito. A sensação de estar perdido, sem um sentido claro, é algo que muitos experienciam em suas vidas, seja nas crises pessoais, nos dilemas de carreira ou nas questões existenciais.
Uma das figuras mais marcantes em "Alice no País das Maravilhas" é a Rainha de Copas, que governa com uma brutalidade irracional, ordenando execuções por razões banais e sem nenhum senso de justiça. Sua presença representa o poder autoritário, arbitrário e muitas vezes insensato, e a constante ameaça de punição sem razão.
Na vida real, a figura da Rainha de Copas pode ser vista como uma metáfora para os sistemas de poder que governam nossas vidas, seja na política, no trabalho ou nas relações interpessoais. Muitas vezes, estamos sujeitos a regras ou decisões tomadas por figuras de autoridade cujas motivações e raciocínios são distantes da realidade das pessoas que são afetadas por suas ações. A obra de Carroll questiona até que ponto essas autoridades merecem nosso respeito e obediência, uma reflexão relevante sobre os sistemas de poder e controle na sociedade atual.
No final da história, Alice acaba despertando do sonho e volta ao mundo real, mas o que ela aprendeu durante sua jornada no País das Maravilhas permanece com ela. Ela se tornou mais autoconfiante e assertiva, mesmo em um mundo que, muitas vezes, não faz sentido. Essa jornada de autodescoberta e amadurecimento é o cerne da obra de Carroll e, de certa forma, reflete o que todos nós enfrentamos ao longo da vida.
Como Alice, muitas vezes nos vemos em situações caóticas e desconcertantes, onde o mundo ao nosso redor não segue nenhuma lógica aparente. A obra, então, pode ser interpretada como um convite para abraçar a incerteza e o absurdo da vida, aceitando que o crescimento pessoal muitas vezes ocorre no meio do caos, da confusão e das mudanças.
Em "Alice no País das Maravilhas", a travessia por um mundo absurdo e irracional acaba sendo, paradoxalmente, uma jornada de autoconhecimento. A obra de Lewis Carroll, em toda sua alegoria, nos ensina que, na vida real, não há respostas fáceis, mas é precisamente nesse caos e nesses momentos de confusão que encontramos as maiores lições sobre quem somos e como podemos nos adaptar ao mundo que nos cerca.