Nos últimos dias, as redes sociais foram tomadas por críticas de grupos cristãos que se mostraram contrários à abordagem das entidades espirituais de Umbanda no Carnaval, principalmente por causa da associação de Exu e Pombagira com a “esquerda” e suas representações espirituais. As críticas, no entanto, não se limitam apenas a questões políticas, mas refletem uma incompreensão sobre a própria Umbanda e seu papel cultural e religioso no Brasil.
Embora muitas pessoas associem o Carnaval exclusivamente a uma festa de excessos, música e folia, a verdade é que a festa tem profundas raízes espirituais e culturais, que remontam aos rituais pagãos e afro-brasileiros, especialmente nas religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda. O Carnaval, em sua essência, é uma celebração que tem suas origens no sincretismo religioso, quando as religiões africanas se misturaram com as tradições europeias durante o período colonial.
No caso da Umbanda, que surgiu no Brasil no início do século 20, ela não é apenas uma religião, mas também uma expressão cultural que integra diversos elementos espirituais, como os guias, orixás, e entidades como Exu e Pombagira. Estas entidades são frequentemente mal compreendidas, sendo frequentemente associadas ao mal ou à "esquerda" de forma distorcida, quando na verdade representam forças da natureza que ajudam no equilíbrio e no desenvolvimento espiritual dos seus seguidores.
Exu, considerado o mensageiro entre os humanos e os orixás, e Pombagira, uma entidade ligada ao poder feminino e à transformação, são ambos frequentemente associados a questões de poder, liberdade e comunicação. No entanto, é importante ressaltar que a Umbanda não compartilha da visão cristã tradicional sobre o "demônio". Na verdade, a religião acredita em um Deus único, com Exu sendo um de seus representantes, mas nunca associado ao mal, como muitos imaginam.
Na Umbanda, a figura de Exu não é demoníaca, mas sim um ser que trabalha para o bem, equilibrando forças espirituais e materiais. Pombagira, por sua vez, é vista como uma entidade de força feminina, com grande poder de transformação e de luta por justiça, principalmente nas questões relacionadas à liberdade individual.
O fato de o Salgueiro, uma das maiores escolas de samba do Brasil, ter escolhido o tema de Exu e Pombagira para o seu enredo de 2025 reflete um movimento crescente de valorização das religiões de matriz africana no país. Essa escolha não só homenageia as entidades de Umbanda, mas também levanta um debate importante sobre a intolerância religiosa, que ainda persiste de forma preocupante no Brasil.
É importante destacar que o Carnaval, como uma das maiores festas populares do mundo, deve ser um reflexo da diversidade cultural do país. Ao longo de sua história, a festa tem sido palco para a celebração de várias expressões culturais e religiosas, incluindo aquelas que têm sido marginalizadas. No entanto, a escolha de temas que envolvem a Umbanda e outras religiões afro-brasileiras continua a ser um ponto de discórdia para aqueles que, infelizmente, ainda não compreendem ou respeitam a pluralidade religiosa presente na sociedade.
Intolerância Religiosa é Crime
Embora a liberdade religiosa seja um direito garantido pela Constituição Brasileira, a intolerância religiosa continua a ser uma realidade para muitas pessoas que seguem religiões de matriz africana. A crítica à presença de figuras espirituais como Exu e Pombagira no Carnaval reflete uma incompreensão mais ampla sobre o respeito à diversidade religiosa, além de alimentar estereótipos e preconceitos contra os seguidores dessas religiões.
Vale lembrar que a Umbanda, assim como o Candomblé, não faz nenhuma apologia ao mal, ao "demoníaco" ou a qualquer forma de violência. Ao contrário, elas pregam a busca pela harmonia, pela paz e pelo respeito ao próximo, e estão intrinsecamente ligadas à história de resistência dos povos negros no Brasil.
Além disso, a Constituição Federal de 1988 é clara ao afirmar que a prática de intolerância religiosa é crime. A Lei nº 9.459, de 1997, estabelece punições para aqueles que incitam, praticam ou promovem violência ou discriminação contra qualquer religião.
É fundamental que, ao celebrar o Carnaval, todos reconheçam que ele é um reflexo das diversas culturas e religiões que compõem a sociedade brasileira. O debate sobre Exu e Pombagira no samba-enredo do Salgueiro é uma oportunidade para educar sobre o verdadeiro significado dessas entidades e, mais importante ainda, para combater a intolerância religiosa.
Em um país tão plural, o Carnaval é a grande festa da união e da celebração da diversidade. E, assim como a Umbanda não é uma religião demoníaca, o Carnaval não é uma festa "pagã" que deve ser combatida, mas sim uma expressão legítima da cultura brasileira, que envolve todas as religiões, crenças e tradições que formam o Brasil.
Portanto, é hora de olharmos para o Carnaval de 2025 e para as críticas que ele gera com um olhar mais aberto, livre de preconceitos, e reconhecermos sua importância como um espaço de celebração, respeito e, acima de tudo, de liberdade religiosa.