O Brasil, como nação, carrega uma marca indelével de violência e exploração desde o seu nascimento. O nosso país foi, em sua essência, fundado a partir do roubo: o roubo das terras e dos direitos dos povos indígenas, que foram brutalmente expostos à colonização portuguesa. Esses povos, que viviam em harmonia com a natureza e detinham saberes ancestrais, foram desalojados, exterminados e despojados de suas riquezas naturais. Os portugueses, por sua vez, não estavam sozinhos. Eles, ao longo da história, também foram saqueados — pelos ingleses, que impuseram sua dominação econômica e política sobre as colônias. O Brasil, como um elo dessa cadeia de saques e pilhagens, cresceu sob a lógica do roubo e da exploração.
Essa cultura de roubo, que começou com a invasão das terras indígenas, se perpetuou ao longo dos séculos e se enraizou profundamente nas práticas e comportamentos da sociedade brasileira. O que vemos hoje, em muitos aspectos, é a continuidade de uma mentalidade colonial, onde, em vez de justiça, o que prevalece é o desejo de se aproveitar das fraquezas do outro, de tirar vantagem de qualquer situação, nem que isso signifique desrespeitar as regras e prejudicar o próximo. Essa cultura do "jeitinho", do favorecimento pessoal a qualquer custo, não é apenas uma questão de corrupção política, mas de comportamento diário.
Quem fura fila está roubando o direito de alguém. Quem dá ou recebe o troco errado e se aproveita disso está roubando. A corrupção não é algo restrito aos grandes políticos ou empresários. Ela é parte do tecido social de uma nação onde a ética é muitas vezes negligenciada, onde o que importa é a vantagem individual, e onde a falta de escrúpulos é disfarçada sob o manto de "sobreviver" em uma sociedade onde os próprios valores foram corrompidos.
A lógica do "quem pode, pode; quem não pode, se vira" se aplica a todos os setores da sociedade brasileira. A prática de tirar vantagem de qualquer situação é vista como normalizada, quase uma virtude para aqueles que conseguem manipular o sistema, seja ele o sistema de transporte público, o mercado de trabalho ou as relações sociais cotidianas. E, o mais irônico disso tudo, é que as mesmas pessoas que, em suas ações cotidianas, não hesitam em roubar, em subtrair algo de alguém, são aquelas que, quando se deparam com o roubo em grandes escalas — como no caso da corrupção política — se tornam as maiores críticas e juízas de quem está praticando o que, na prática, é um reflexo do comportamento da sociedade como um todo.
Esse círculo vicioso de desonestidade se reflete em cada esquina, em cada interação. Ao longo da história, o Brasil construiu suas instituições, suas práticas culturais e seu sistema político em cima de uma premissa muito simples: a ideia de que, para se dar bem, é necessário se aproveitar do outro. E, em um país onde essa é a norma, a verdadeira justiça se torna cada vez mais difícil de alcançar. Não basta simplesmente combater os grandes esquemas de corrupção ou as fraudes nos altos escalões. O combate deve começar em cada ato diário, no comportamento de cada cidadão. A verdadeira transformação social só virá quando entendermos que, ao “tirar proveito” de algo que não nos pertence, estamos perpetuando um sistema injusto e desigual.
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Em um país onde o roubo, em suas diversas formas, está enraizado na cultura, fica claro que a verdadeira justiça é uma utopia distante. Se continuarmos a agir como se o roubo fosse algo aceitável, algo normal, dificilmente conseguiremos alcançar um Brasil mais justo e equilibrado. O maior roubo que nosso país já sofreu não é apenas o que ocorreu nas décadas de exploração colonial ou nos esquemas de corrupção política. O maior roubo foi a subtração dos valores morais e éticos que, se ainda existissem, poderiam ter nos guiado para um caminho diferente. Até que a mentalidade do "jeitinho" seja substituída por uma verdadeira cultura de respeito e honestidade, o Brasil continuará sendo um país onde, infelizmente, ladrão critica ladrão, e a justiça permanecerá sendo apenas um ideal distante.