A legislação, que tipifica o assassinato de mulheres por razões da condição do sexo feminino como um crime hediondo, foi uma vitória para as mulheres brasileiras, que, por décadas, enfrentaram uma sociedade marcada pelo machismo e pela violência. No entanto, apesar dos avanços, uma triste realidade persiste: a impunidade e a falta de efetividade na aplicação dessa lei.
A Lei nº 13.104/2015, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, estabeleceu que o feminicídio, o assassinato de mulheres cometido por razões de gênero, é um crime hediondo, com penas mais severas. A intenção era criar uma resposta mais rigorosa aos assassinatos de mulheres, que muitas vezes eram tratados como crimes comuns, mesmo quando motivados por questões como ciúmes, ódio ou discriminação.
A definição de feminicídio na legislação brasileira inclui assassinatos em situações de violência doméstica e familiar, crimes ocorridos em contexto de menosprezo à condição de mulher, e até casos de violência sexual que culminam na morte da vítima.
Embora a legislação tenha representado um avanço significativo, a aplicação da lei ainda enfrenta uma série de obstáculos. Um dos maiores problemas é a demora nos processos judiciais, que, muitas vezes, prolongam a dor das famílias e dificultam a busca por justiça. A impunidade, em grande parte, é alimentada pela morosidade do sistema judiciário, pela falta de infraestrutura nos tribunais e pela insuficiência de recursos para a implementação de políticas públicas de apoio às vítimas.
Além disso, há uma grande subnotificação dos casos de violência. A maioria dos feminicídios ocorre dentro de casa, onde a vítima, muitas vezes, não consegue denunciar o agressor ou sente-se pressionada a manter o silêncio. Em muitos casos, a violência é tratada como algo “privado” ou “natural”, perpetuando o ciclo de abusos.
Uma das críticas mais contundentes à Lei do Feminicídio é que, apesar de sua existência, os números de violência contra as mulheres continuam a ser alarmantes. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 7 horas uma mulher é assassinada no Brasil, e apenas uma parte dessas mortes é considerada feminicídio. A falta de efetividade no cumprimento da lei é uma realidade cruel. O que se vê, na prática, é que, mesmo com a tipificação do feminicídio como um crime hediondo, muitos assassinos de mulheres não enfrentam as consequências que deveriam.
O sistema de justiça, por vezes, falha em aplicar as penas previstas, permitindo que acusados de feminicídios sejam libertados ou recebam penas brandas. Em muitos casos, as investigações são mal conduzidas, as provas são negligenciadas, e a judicialização do caso acaba sendo mais um fator que perpetua a impunidade.
Embora o Brasil tenha avançado na criação de leis voltadas à proteção das mulheres, como a Lei Maria da Penha, a ausência de políticas públicas eficazes para prevenir a violência de gênero continua sendo um problema central. A falta de capacitação adequada para as autoridades policiais, a escassez de abrigos para mulheres em situação de risco e a baixa articulação entre as esferas federal, estadual e municipal dificultam a implementação de um sistema de proteção verdadeiramente eficiente.
A realidade, muitas vezes, é de uma mulher que, ao procurar ajuda, se depara com um sistema judiciário sobrecarregado, com delegacias mal estruturadas e um atendimento psicológico insuficiente. Além disso, o preconceito e a naturalização da violência de gênero ainda estão presentes em muitos setores da sociedade, o que dificulta a mudança de mentalidade.
A luta contra o feminicídio não depende apenas das leis ou do sistema judiciário. A sociedade brasileira precisa se engajar de maneira mais efetiva na proteção das mulheres. A conscientização sobre o significado do feminicídio e a compreensão de que ele é resultado de um ciclo de violência estrutural devem ser amplamente debatidos em todos os setores da sociedade.
A mídia tem um papel crucial nisso. A cobertura sensacionalista de casos de feminicídios, muitas vezes, distorce as circunstâncias e faz com que o debate sobre as causas da violência de gênero se perca. Ao invés de contribuir para a conscientização, há momentos em que as reportagens falham em dar o devido peso à luta por políticas públicas e pela responsabilização dos agressores.
A Lei do Feminicídio, ao completar 10 anos, é um marco importante na luta contra a violência de gênero no Brasil. Contudo, a efetividade dessa legislação esbarra em vários desafios que, até hoje, precisam ser superados. A impunidade continua a ser um grande obstáculo para a construção de uma sociedade mais justa para as mulheres.
Se o Brasil realmente deseja honrar o aniversário da Lei do Feminicídio, é imprescindível que o Estado, a sociedade civil e as mulheres unam forças para exigir a implementação eficaz dessa legislação, combater a violência de gênero em suas diversas formas e garantir que os responsáveis por esses crimes sejam responsabilizados de maneira plena.
Somente assim, a morte de tantas mulheres será tratada com a seriedade que merece, e a impunidade deixará de ser a regra.