Em uma sociedade cada vez mais obcecada pelo "pensamento positivo" e pela ideia de que podemos moldar nossa realidade por meio de nossas crenças, surge uma reflexão crítica sobre o impacto real dessa filosofia no comportamento humano. A premissa central de que "se pensarmos coisas boas, a nossa vida fluirá bem, e se pensarmos coisas ruins, tudo será uma catástrofe" tem ganhado força, especialmente no contexto de doutrinas como o espiritismo, onde se acredita que a nossa energia e vibração influenciam diretamente nosso destino. No entanto, ao observar as implicações dessa visão de mundo, surge uma questão importante: até que ponto somos responsáveis pela nossa própria miséria? E até que ponto essa visão pode, na verdade, desconsiderar fatores externos, estruturais e emocionais?
O depoimento de uma ex-voluntária na Casa Assistencial Bezerra de Menezes, em Maringá, Paraná, que se dedicou ao trabalho com o público, revela um cenário onde, por repetidas vezes, pessoas chegavam buscando ajuda, mas saíam com os mesmos problemas – ou até piores – após os atendimentos. A explicação apresentada por ela é que essas pessoas estavam “puxando” energias negativas para si mesmas, com pensamentos pessimistas, queixas constantes e atitudes de autossabotagem. Ela destaca que, ao invés de atribuir a culpa aos outros ou ao mundo, as pessoas deveriam "parar de reclamar" e focar na sua própria vibração energética, pois, ao fazer isso, estariam criando elos energéticos que retornam para elas.
A ideia de que atraímos para nossas vidas aquilo em que acreditamos, seja positivo ou negativo, tem algo de sedutor, mas também pode ser extremamente perigosa. A narrativa da ex-voluntária sugere que os problemas das pessoas, incluindo doenças como a depressão, são frutos de um campo vibracional negativo criado por elas mesmas. A culpa, nesse cenário, recai diretamente sobre o indivíduo que sofre, sob a alegação de que ele está "puxando" suas próprias desgraças.
A premissa de que nossos pensamentos e sentimentos negativos podem nos arruinar e atrair sofrimento é um princípio do que se conhece como "Lei da Atração". No entanto, quando levada ao extremo, essa ideia pode minimizar ou até ignorar questões complexas e estruturais que afetam a vida de muitas pessoas. A depressão, por exemplo, é uma condição multifacetada que envolve fatores biológicos, psicológicos e sociais. Não se trata apenas de pensamentos negativos ou "vibrações baixas". Atribuir a responsabilidade total pela depressão ou por dificuldades pessoais à forma de pensar do indivíduo pode ser uma forma insustentável de interpretar a realidade, especialmente para aqueles que não têm acesso a recursos adequados para tratamento ou que enfrentam adversidades externas, como pobreza, violência ou discriminação.
O discurso de que “quem pensa negativo atrai negatividade” acaba por criar uma cultura de culpa e vergonha, onde a pessoa que já sofre com um problema se sente ainda mais responsável pelo seu sofrimento, intensificando sua sensação de fracasso e impotência. Nesse contexto, a vítima se torna culpada, e o sistema de crenças sobre o pensamento positivo se torna uma ferramenta de autossuficiência emocional, ignorando as nuances da realidade humana.
Outro ponto que chama atenção no depoimento é a crítica ao comportamento de quem julga, reclama e critica a vida alheia. Para a ex-voluntária, essas atitudes criam "elos energéticos" que retornam ao indivíduo, gerando uma vibração negativa que afeta diretamente sua vida. De acordo com esse ponto de vista, ao julgar os outros, o indivíduo estaria criando uma espécie de boomerang energético que atinge a si mesmo. Essa ideia, que ecoa os princípios de diversas filosofias espirituais, tem algo de profundo sobre a conexão humana e a importância de cultivar a empatia e o perdão.
Entretanto, a reflexão sobre o impacto do julgamento alheio no nosso próprio bem-estar não deve ser reduzida apenas à energia espiritual ou ao "campo vibracional". O julgamento dos outros é, sem dúvida, uma característica humana que pode prejudicar tanto quem julga quanto quem é julgado. Mas é importante questionar até que ponto esse julgamento é resultado de uma cultura que valoriza a crítica e o individualismo, e não uma consequência de um simples pensamento negativo ou de um "erro energético". A raiz do julgamento muitas vezes está ligada a valores sociais, preconceitos estruturais e a falta de educação emocional.
A ideia de que devemos parar de cuidar da vida do outro e focar em nossos próprios problemas também merece uma reflexão crítica. Enquanto o culto ao individualismo é uma característica presente em muitas correntes espirituais e filosóficas, há algo a ser considerado sobre a responsabilidade coletiva em um mundo que enfrenta inúmeras injustiças sociais. Negligenciar as questões dos outros em nome do autocuidado pode reforçar a desconexão social e a alienação. Em muitos casos, a empatia e a solidariedade são os maiores combustíveis para mudanças reais e transformadoras.
A crítica à depressão e ao sofrimento das pessoas, no sentido de que elas atraem a doença por sua própria vibração negativa, não leva em conta as profundas dificuldades emocionais e mentais que muitas pessoas enfrentam. A vivência da ex-voluntária ao relatar que ela própria teve depressão na adolescência e superou isso por meio do pensamento positivo é um exemplo de como, para algumas pessoas, mudanças no estado mental podem ter um impacto positivo na saúde emocional. Porém, generalizar essa experiência pessoal para toda uma população é simplificar uma condição que envolve muitos fatores.
A depressão não pode ser reduzida a uma questão de pensamento ou atitude, pois envolve questões profundas de saúde mental, história de vida, genética, traumas, entre outros fatores. O fato de uma pessoa ter se libertado da depressão por meio do "pensamento positivo" não invalida as experiências de outras pessoas que lutam contra a doença e que não têm o mesmo tipo de acesso a recursos, apoio emocional ou ferramentas que a ajudaram.
O discurso de que "atraímos nossas desgraças" e que nossas energias criam nossa realidade tem um apelo fácil, mas apresenta sérias limitações. Ao fazer essa afirmação de forma generalizada, desconsidera-se a complexidade das condições humanas e sociais que afetam as pessoas. A visão de que somos os únicos responsáveis por nossas dificuldades ignora as desigualdades estruturais e os contextos pessoais que impactam diretamente a vida de muitos indivíduos. Em vez de focar exclusivamente no pensamento positivo como uma solução mágica, é essencial promover uma abordagem mais equilibrada, que envolva autocompaixão, empatia e também uma análise crítica das condições externas que moldam a vida de cada um.
A verdadeira transformação ocorre não apenas quando mudamos nossa vibração interna, mas quando também buscamos melhorar as condições coletivas, proporcionando suporte emocional, psicológico e social àqueles que mais precisam.