No entanto, um fenômeno preocupante tem se repetido com cada vez mais frequência: o uso da religião como instrumento de manipulação e lucro, colocando em xeque a fronteira entre a fé legítima e o crime de charlatanismo.
No Brasil, o artigo 283 do Código Penal é claro: prometer cura para doenças sem comprovação científica é crime. Ainda assim, não são raros os casos de líderes religiosos — alguns autointitulados “apóstolos”, “profetas” ou “curadores” — que afirmam possuir o dom da cura, cobrando altos valores por bênçãos, sessões espirituais ou “sementes de fé” que prometem resultados milagrosos.
O problema, no entanto, vai além da cobrança. Trata-se de uma questão ética e espiritual. Ao prometerem curas, esses líderes se colocam em um patamar quase divino, desrespeitando a própria essência da fé cristã que pregam. Na tradição cristã, curas e milagres são atribuídos exclusivamente a Deus e a Jesus Cristo. Pastores, padres e líderes espirituais deveriam ser, no máximo, interlocutores da fé — homens e mulheres também falhos, também pecadores, e jamais deuses.
“A religião não pode ser usada como comércio, muito menos como forma de exploração da dor alheia”, afirma a teóloga e pesquisadora Maria Helena Carvalho. “Quando um líder religioso promete curas ou libertações em troca de dinheiro, está não apenas enganando, mas desrespeitando profundamente a fé das pessoas.”
Casos recentes mostram que esse abuso não tem limites. Vídeos nas redes sociais mostram cultos onde pastores ordenam fiéis a esvaziar contas bancárias, vendem objetos ungidos como “chaves da vitória” e fazem sessões com valores que ultrapassam o salário mínimo. Muitos fiéis, em situação de desespero, entregam tudo o que têm na esperança de uma mudança imediata.
É urgente que o Estado, o Ministério Público e a sociedade civil se atentem a esse tipo de prática. O respeito à liberdade religiosa é um direito constitucional, mas não pode ser confundido com a impunidade. Fé não é mercadoria.
Cabe também aos verdadeiros líderes espirituais — aqueles comprometidos com o amor, a compaixão e o evangelho — levantar a voz contra esses abusos. Não julgar, mas alertar. Não vender ilusões, mas oferecer acolhimento. A religião deve ser um canal de paz e esperança, e nunca um meio para enriquecer às custas da dor humana.