Nos últimos anos, o Brasil deu passos largos em direção à digitalização financeira. Hoje, milhões de pessoas utilizam o celular para fazer transações, pagar contas e até mesmo receber salários. No entanto, o volume de dinheiro físico em circulação permanece elevado. Segundo dados do Banco Central, bilhões de reais continuam fora do sistema bancário formal, em espécie.
Esse cenário cria um paradoxo: por que, mesmo com alternativas seguras e eficientes, o dinheiro vivo resiste?
A resposta está no fato de que o dinheiro em espécie é o método preferido para práticas ilícitas — especialmente a corrupção. Por não deixar trilhas digitais, ele dificulta investigações, impede rastreamento por órgãos de controle e favorece transações clandestinas, como compra de votos, pagamento de propinas e caixa dois.
É justamente por isso que o fim do dinheiro vivo não interessa a quem está no topo do poder. Muitos dos que têm autoridade para propor reformas nesse sentido — como parlamentares, ministros e altos funcionários — são os mesmos que se beneficiam da opacidade proporcionada pelas transações em espécie. Eles usam o papel-moeda como escudo, garantindo que seus esquemas permaneçam fora do alcance da Justiça.
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O sistema se retroalimenta. A manutenção do dinheiro vivo protege os esquemas ilegais, que por sua vez financiam campanhas políticas e fortalecem estruturas corruptas. É um ciclo vicioso em que a impunidade sustenta a continuidade do problema. Qualquer tentativa de controle mais rígido sobre o uso de espécie esbarra em resistências legislativas e pressões políticas.
Acabar com o uso indiscriminado de dinheiro em espécie no Brasil não é uma questão de viabilidade técnica. Já existem os meios, as ferramentas e a infraestrutura para reduzir drasticamente a dependência do papel-moeda. O obstáculo é político. Falta vontade real de combater a raiz do problema, pois isso implicaria mexer com os próprios privilégios e esquemas que garantem a sobrevivência de parte da classe dirigente.